Sistema FAEC/SENAR/SINRURAL

Impossibilidade legal de cobrança de juros superiores a 12% ao ano

Marcos de Abreu e Silva
Assessoria Jurídica – FAEMG

Desde o final da década de 80 que bancos operadores de crédito rural vêm insistindo na cobrança de juros remuneratórios à taxa superior a 12% ao ano. Os que assim procederam o fizeram ilegalmente. Por essa razão não são poucos os casos de produtores rurais que ajuizaram ações pedindo a revisão de seus contratos para expurgar lançamentos indevidos. Os tribunais têm sido favoráveis aos pleitos dos produtores rurais, com decisões reiteradas no sentido que a revisão deve alcançar tanto contratos em curso quanto aqueles já extintos.

Está pacificado nos tribunais pátrios o entendimento de que, em sede de crédito rural, os juros remuneratórios não podem exceder a 12% ao ano.
A Lei 4.829/65, que institucionaliza o crédito rural, em seu artigo 4º, delega ao Conselho Monetário Nacional, com exclusividade, a atribuição de disciplinar e estabelecer as normas operativas de crédito rural no país.

Por sua vez , de modo mais específico, o artigo 5º do Decreto-lei 167/67 é categórico quando estabelece que as importâncias fornecidas pelo financiador a título de crédito rural vencerão juros à taxa que o Conselho Monetário Nacional fixar. In verbis:

“Art. 5º: As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros às taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar e serão exigíveis em 30 de junho e 31 de dezembro ou no vencimento das prestações, se assim acordado entre as partes; no vencimento do título e na liquidação, ou por outra forma que vier a ser determinada por aquele Conselho, podendo o financiador, nas datas previstas, capitalizar tais encargos na conta vinculada à operação.”

Ora, estabelecendo a lei que os juros remuneratórios devem ser fixados pelo Conselho Monetário Nacional, em interpretação extensiva e inversa, há de se entender que os mesmos não podem ser fixados livremente pelo agente emprestador, credor do título de crédito rural.

Neste tema, salienta o ilustre Desembargador Wellington Pacheco de Barros, em sua obra Contratos e Títulos de Crédito Rural, Liv.do Advogado,1ªed. 2000 – pág. 139, in verbis:

“ Estabelecendo a lei que os juros remuneratórios devem ser fixados pelo CMN …
… nem mesmo as orientações do CMN ou do Banco Central, que a lei determinou como gerentes dessa forma de empréstimo de dinheiro ao campo são livres. Eles deverão se pautar tendo sempre como norte a própria idéia de criação da lei, que é de estímulo, favorecimento, incentivo e desenvolvimento do setor de produção rural.

No entanto, está em plena vigência a Lei da Usura (Decreto nº 22626/33), dispondo sobre a ilegalidade da cobrança de juros remuneratórios acima de 12% ao ano. Também não existe qualquer autorização do Conselho Monetário Nacional estabelecendo a taxa de juros que deve ser praticada nas operações de crédito rural. Por isso vige, nesses caso, o limite fixado pela Lei da Usura.

Nesse sentido está a mais atualizada jurisprudência do Egrégio Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais e do Colendo Superior Tribunal de Justiça, valendo transcrever: In verbis:

TAMG – Ementa ao Acórdão proferido em Apelação – processo nº 0228831-7, decisão unânime, em 8.4.97: 
TITULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – CEDULA DE CREDITO RURAL – CORRECAO MONETARIA – TR – JUROS COMPOSTOS – LEI DE USURA – DECRETO-LEI 167/67 – A correção monetária, consoante jurisprudência ja consolidada, e sempre devida, mesmo sobre o credito Rural, pois não implica acréscimo ao valor da divida, mas simples recomposição do poder de compra, cuja ausência enseja enriquecimento sem causa. – É inócua a alegacão de que, uma vez extinto o BTNF, a nao previsao de outro indice impediria a atualização monetária através do IGP, pois o que se veda é apenas a substituição daquele indexador pela TR, consoante decidido na ADIN 493-0. – Em se tratando de crédito rural, e perfeitamente possível a capitalização de juros pactuada, uma vez que a expressa autorização legal nesse sentido, contida no art. 5 do decreto-lei 167/67, excepciona a regra geral da lei de usura. – EM RELACAO AO CREDITO RURAL E DEFESA A COBRANCA DE JUROS ACIMA DO LIMITE DE 12% (DOZE POR CENTO) DEFINIDO NA LEI DE USURA, SE NAO DEMONSTRADO PELO CREDOR A PREVIA ESTIPULACAO DO CONSELHO MONETARIO NACIONAL QUANTO AS TAXAS APLICAVEIS. (sem destaque no original).

TAMG – Ementa ao Acórdão proferido em Apelação – processo nº 0286589-8, decisão unânime, em 25.8.99:
EMENTA: EMBARGOS DE DEVEDOR – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – CONTRATO DE MÚTUO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INCIDÊNCIA – JUROS EXCESSIVOS – INADMISSIBILIDADE – ANATOCISMO – IMPOSSIBILIDADE. Os juros bancários permanecem limitados em 12% (doze por cento) ao ano, tendo em vista o disposto no artigo 1º do Decreto-lei 22.626/33 c/c o artigo 1.062 do Código Civil. Impossível se torna capitalizar mensalmente os juros sem que exista lei autorizativa expressa, como ocorre nos casos de crédito rural (Decreto-lei 167/69) e comercial (Lei 6.840/80), devendo afastar essa incidência em se tratando de financiamento bancário decorrente de contrato de mútuo, tendo em vista o disposto no art. 4º da Lei de Usura e na Súmula nº 121 do STF. (sem destaque no original)

STJ – Ementa da decisão no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 177567/RS, relator Ministro Sálvio de Figueiredo, julgamento em 01.03.2001. Decisão unânime.

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL.INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO PARA COBRANÇA DE JUROS SUPERIORES A 12% a.a. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.

I – De acordo com a exegese atribuída ao art. 5º do Decreto-Lei 167/67, pela Segunda Seção desta Corte, em se tratando de cédula de crédito rural, a instituição financeira deve cobrar juros de acordo com as taxas e índices que o Conselho Monetário Nacional fixar, o que cabia ao banco observar desde a celebração do contrato. Diante da omissão desse órgão governamental, incide a limitação dos juros em 12% a.a. (sem destaque no original).
II – Discutida a matéria relativa à limitação dos juros, aplica-se a interpretação dada pela Segunda Seção à legislação pertinente, Decreto-Lei 167/67.

STJ – Ementa ao REsp 258054/RS, sendo relator o Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgamento em 6.02.2001, DJ de 19.3.2001, pág. 115:
COMERCIAL. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS NS. 282 E 356 – STF. JUROS.LIMITAÇÃO (12% AA). AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO PELO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33). INCIDÊNCIA. – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. PACTUAÇÃO EXPRESSA. SÚMULA N.596-STF. NÃO INCIDÊNCIA EM RELAÇÃO A CRÉDITO RURAL. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR. DECRETO-LEI N. 167/67, ART. 5º. SÚMULA N.93-STJ.

I. Inadmissível recurso especial em que é debatida questão federal não objetivamente enfrentada no acórdão a quo.
II. Ao Conselho Monetário Nacional, segundo o art. 5o do Decreto-lei n. 167/67, compete a fixação das taxas de juros aplicáveis aos títulos de crédito rural. Omitindo-se o órgão no desempenho de tal mister, torna-se aplicável a regra geral do art. 1o, caput, da Lei de Usura, que veda a cobrança de juros em percentual superior ao dobro da taxa legal (12% ao ano), afastada a incidência da Súmula n.596 do C. STF, porquanto se dirige à Lei n. 4.595/64, ultrapassada, no particular, pelo diploma legal mais moderno e específico, de 1967. Precedentes do STJ. (sem destaque no original).
III. Admissível a capitalização mensal de juros quando expressamente pactuada, o que ocorre no caso dos autos, ao teor da Súmula n. 93 desta Corte.
IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.

Convém ressaltar nesse tema que o Conselho Monetário Nacional, por sua vez, é detentor da competência legal para estabelecer os juros a serem praticados nas operações de financiamento em crédito rural. Mas, esta é uma competência que há de ser exercida nos estritos limites da lei. Ou seja, esta fixação deve limitar-se a taxa anual de 12%, enquanto vigente a Lei da Usura. Houvesse decisão acima desse limite, seria decisão ultra vires e contra legem, portanto, juridicamente insubisistente.

Também não se pode pretender argüir algum dispositivo da Lei 4.595/64 para invalidar tal conclusão. A uma porque as normas acima citadas (Lei 4.829/65 e DL 167/67) são prevalecentes, eis que, embora originalmente de mesma hierarquia, estas são leis posteriores e especiais. A duas porque, a Lei 4.595/64, no que pertine a disciplinamento da taxa de juros, dá competência ao Conselho Monetário Nacional apenas para limitar, sempre que necessário, as taxas de juros. Limitar é ir até certo ponto. Não ultrapassar. Portanto, ir até aonde a lei permite. Vale dizer, não praticar juros acima de 12% ao ano, que é o limite imposto pela Lei da Usura, principalmente quando se tratar de operações de crédito rural.
Vale transcrever o citado dispositivo da Lei 4.595 de 31 de dezembro de 1.994 (vigência a partir de 1º/3/1965), in verbis:

Art. 4º – Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:

IX – Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusivas os prestados pelo Banco Central do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover:
– recuperação e fertilização do solo;
– reflorestamento;
– combate a epizootias e pragas, nas atividades rurais;
– eletrificação rural;
– mecanização;
– irrigação;
– investimentos indispensáveis às atividades agropecuárias.

De outra parte, em ambiente constitucional, não se pode olvidar da existência de entendimento sumulado por parte do Excelso Supremo Tribunal Federal de que não é auto-aplicável o dispositivo insculpido no § 3º do artigo 192 da Lei Maior. Porém, diante da evolução jurisprudencial, é preciso levar em conta ponderável divergência, com lastro na inteligência de juizes da maior respeitabilidade e envergadura técnica, valendo citar, a exemplo, reiteradas decisões prolatadas no Egrégio Tribunal de Alçada de Minas Gerais, dentre elas:
Origem:Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais
Tipo de Documento: Acórdão
Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível
Processo:0211930-4
Recurso:Apelação (Cv)
Julgamento:4/10/96
Decisão:Por maioria
Dados da Publicação:NAO PUBLICADO

Ementa Técnica: EXECUCAO POR TITULO EXTRAJUDICIAL – CEDULA DE CREDITO RURAL – CORRECAO MONETARIA – JUROS COMPOSTOS – ART. 192, PARAGRAFO 3º DA CF – VOTO VENCIDO – MULTA CONTRATUAL – E

É devida a correção monetária nos créditos rurais, permitindo-se como indexador os mesmos índices de remuneração da poupança rural, por observar exata correlação entre os encargos financeiros e o custo de captação dos recursos. – a avençada capitalização mensal dos juros no contrato não esta vedada em lei. – o art. 192, parágrafo 3º da CF não é auto-aplicavel quando fixa juros de 12% ao ano. V.V.- É AUTO-APLICAVEL O ART. 192, PARAGRAFO 3 DA CF. – A MULTA CONTRATUAL NAO PODE SER EXIGIDA QUANDO A DIVIDA COBRADA DO MUTUARIO EXCEDE O VALOR DEVIDO. NO MESMO SENTIDO AP.CIVEL 228656-4 3A.C.CIVIL REL.JUIZA J.B.MARINS 26.02.97 (SEGUNDO ITEM) AP.CIVEL 226444-6 3A.C.CIVIL REL.JUIZA J.B.MARINS 30.10.96 AP.CIVEL 233556-2 3A.C.CIVIL REL.JUIZ D.DE PAULA 28.05.97 (TERCEIRO ITEM) AP.CIVEL 220557-4 3A.C.CIVIL REL.JUIZ D.DE PAULA 09.10.96 EMB.INF. 210914-6/02 3A.C.CIVIL REL.JUIZA J.B.MARINS 11.09.96 EMB.INF. 216861-4/01 4A.C.CIVIL REL.JUIZ K.CARVALHO 30.10.96 AP.CIVEL 224850-6 3A.C.CIVIL REL.JUIZ W.MAROTTA 06.11.96 AP.CIVEL 220663-7 3A.C.CIVIL REL.JUIZ D.DE PAULA 20.11.96 AP.CIVEL 226978-7 3A.C.CIVIL REL.JUIZ W.MAROTTA 27.11.96 EMB.INF. 219769-7/01 3A.C.CIVIL REL.JUIZ K.CARVALHO 19.02.97 AP.CIVEL 228798-7 4A.C.CIVIL REL.JUIZ C.C.PADUANI 26.02.97 EMB.INF. 220074-0/02 3A.C.CIVIL REL.JUIZA J.B.MARINS 12.03.97 EMB.INF. 223145-6/01 3A.C.CIVIL REL.JUIZA J.B.MARINS 12.03.97 EMB.INF. 227077-9/01 4A.C.CIVIL REL.JUIZ J.LADEIRA 11.06.97 EMB.INF. 227700-3/01 3A.C.CIVIL REL.JUIZA J.B.MARINS 11.06.97 (QUARTO ITEM) AP.CIVEL 220557-4 3A.C.CIVIL REL.JUIZ D.DE PAULA 09.10.96

Por fim, vale assinalar, que a cobrança de juros no limite máximo de 12% é aplicação altamente vantajosa para os bancos que operam em crédito rural. Neste particular, se deve levar em conta que os recursos aplicados em crédito rural são recursos que, não tendo tal destinação, submeteriam a recolhimento obrigatório ao Banco Central, sem qualquer forma de remuneração ou correção monetária. Em outras palavras, o dinheiro aplicado em crédito rural não é dinheiro disponibilizado para outras aplicações. É dinheiro carimbado, com destinação específica. Se não aplicado em financiamentos rurais deve ser retido nas reservas do Banco Central sem rendimento algum para o banco emprestador.

Por todos esses fundamentos, há de concluir-se que, em sede de crédito rural, os juros remuneratórios máximos permitidos são de 12%, limite imposto pela Lei de Usura, a qual vem sendo acatada pelo Conselho Monetário Nacional, órgão que, no poder de regramento dessa matéria, se tem negado a admitir a cobrança de juros acima do citado percentual.