Entre os temas que merecem ainda plena consolidação no sentido de se reconhecer a viabilidade está o direito ao crédito de PIS e Cofins no regime não cumulativo na contratação de prestação de serviço de transporte de pessoas no setor do agronegócio, reconhecendo a sua natureza de insumo conforme artigos 3º, II, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003.
Não é novidade que o texto constitucional, em seu artigo 195, § 12, consagra a necessidade de o legislador dar efetividade a não cumulatividade quanto ao PIS e Cofins.
Isto significa que cabe à lei concretizar, a partir da concessão de créditos, a neutralidade dentro de referida cadeia econômica plurifásica. Vale, inclusive, reforçar que o regime não cumulativo no regime de tributação das contribuições para PIS e Cofins é a regra, sendo a cumulatividade exceção.
Entre os créditos consignados em lei, temos o conhecido artigo 3º, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, inciso II, que trata do insumo:
“Art. 3º — Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
(…)
II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi”.
Dentro desta perspectiva, inclusive, em interpretação ao referido dispositivo normativo, o Superior Tribunal de Justiça, como é de conhecimento, nos autos do recurso especial nº 1.221.170/PR (temas 779 e 780), pontificou que o “conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.
Em tais condições, impossível se torna a legitimidade na interpretação restritiva ao conceito de insumos diante do claro equívoco metodológico e da ilegalidade existente, sendo forçosa a conclusão no sentido de que o conceito de insumo para fins de PIS e Cofins é abrangente (amplo), comportando todos os custos, despesas, gastos e dispêndios que contribuam de forma direta ou indireta para o exercício da atividade econômica (produção, industrialização, prestação de serviço e comércio) visando à obtenção de receita [1], salvo expressa previsão legal em sentido contrário [2].
Levando em considerações esaas breves premissas, nos parece importante tratar da possibilidade da tomada de crédito de PIS e Cofins, no regime não cumulativo, para as pessoas jurídicas do setor rural e agroindustrial que contratam terceiros prestadores de serviço para realizar o transporte de pessoas da zona urbana até a rural, onde efetivamente está toda atividade produtiva.
Como dito a pouco, para configurar insumo, levando em consideração o posicionamento geral da jurisprudência e precedente vinculante do Superior Tribunal de Justiça, é preciso que se reconheça em tal serviço a essencialidade e/ou relevância no processo produtivo.
Em nossa visão, entendemos que as peculiaridades do setor agroindustrial tornam claramente essencial o transporte de pessoas, uma vez que, em regra, sua estrutura é distante dos centros urbanos, não sendo de fácil acesso, inexistindo inclusive transporte público.
Ademais, para às áreas agrícolas, tal essencialidade é ainda mais evidente, lembrando que a produção rural compreende importante etapa do processo produtivo de uma agroindústria, tratando-se, atualmente, de tema pacificado.
Com isso, existem razões jurídicas e fáticas que nos permitem afirmar ser claramente possível o crédito de PIS e Cofins no regime não cumulativo em tais ocasiões, dada a sua nítida essencialidade. Não se descartando, eventualmente, que referido transporte seja objeto de acordo coletivo ou convenção, o que o leva a se tornar também relevante.
Apesar de ser evidente o direito dos contribuintes, dada a essencialidade e até relevância deste serviço, caracterizando como insumo, importante se torna apreciar a jurisprudência administrativa a respeito do tema.
Neste sentido, realizamos um levantamento de casos concretos envolvendo o transporte de pessoas ou combustível voltado à agroindústria no setor sucroalcooleiro, onde identificamos, sem pretensão de exaustão, os seguintes julgamentos perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf):
Acórdão |
empresa |
Data do Julgamento |
Seção de Julgamento |
Câmara |
Turma |
Resultado (favorável ou desfavorável?) |
9303-012.086 |
COSAN S/A |
20/10/2021 |
– |
– |
3ª T / CSRF |
Desfavorável |
3301-011.081 |
S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL |
21/09/2021 |
3ª |
3ª
1ª TO
Favorável
3301-011.077
S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL
21/09/2021
3ª
3ª
1ª TO
Favorável
3301-011.074
S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL
21/09/2021
3ª
3ª
1ª TO
Favorável
3301-011.073
S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL
21/09/2021
3ª
3ª
1ª TO
Favorável
3301-011.076
S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL
21/09/2021
3ª
3ª
1ª TO
Favorável
3301-011.075
S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL
21/09/2021
3ª
3ª
1ª TO
Favorável
3301-011.071
S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL
21/09/2021
3ª
3ª
1ª TO
Favorável
3301-011.079
S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL
21/09/2021
3ª
3ª
1ª TO
Favorável
3301-011.083
S A USINA CORURIPE ACUCAR E ALCOOL
21/09/2021
3ª
3ª
1ª TO
Favorável
3201-009.178
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
27/08/2021
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-009.173
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
27/08/2021
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-009.172
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
27/08/2021
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-009.177
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
27/08/2021
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-009.176
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
27/08/2021
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-009.170
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
27/08/2021
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-009.175
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
27/08/2021
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-009.174
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
27/08/2021
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-009.169
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
27/08/2021
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-009.168
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
27/08/2021
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-007.547
TIMBAUBA S.A.
18/11/2020
3ª
2ª
1ª TO
Desfavorável
3302-009.753
USINA BOM JESUS S.A. ACUCAR E ALCOOL
21/10/2020
3ª
3ª
2ª TO
Desfavorável
3302-009.754
USINA BOM JESUS S.A. ACUCAR E ALCOOL
21/10/2020
3ª
3ª
2ª TO
Desfavorável
3302-009.755
USINA BOM JESUS S.A. ACUCAR E ALCOOL
21/10/2020
3ª
3ª
2ª TO
Desfavorável
3201-007.258
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
23/09/2020
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-009.226
DELTA SUCROENERGIA S/A
21/09/2020
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
9303-010.724
COSAN S/A
17/09/2020
3ª T / CSRF
Desfavorável
3201-007.023
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
28/07/2020
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-006.374
USINA DA BARRA S/A ACUCAR E ALCOOL
18/12/2019
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-006.373
USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL
18/12/2019
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-006.372
USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL
17/12/2019
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-006.371
USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL
18/12/2019
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-006.368
USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL
18/12/2019
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-006.369
USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL
18/12/2019
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
3201-006.370
USINA DA BARRA S/A AÇÚCAR E ÁLCOOL
18/12/2019
3ª
2ª
1ª TO
Favorável
9303008.299
COSAN S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO
20/03/2019
–
–
3ª T-CSRF
Desfavorável
9303008.300
COSAN S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO
20/03/2019
–
–
3ª T-CSRF
Desfavorável
3302-006.737
COSAN S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO
27/03/2019
3ª
3ª
2ª TO
Favorável
3302-006.736
COSAN S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO
27/03/2019
3ª
3ª
2ª TO
Favorável
Embora seja possível notar uma quantidade maior de julgamentos favoráveis aos contribuintes [3], infelizmente, ainda existem decisões desfavoráveis, em especial, da Câmara Superior [4].
Conforme acima exposto de forma breve, o transporte de empregados para a zona rural, onde está o estabelecimento de agroindústrias e agropecuárias, é um serviço essencial e há de ser considerado insumo nos termos do artigo 3º, II, das Leis nº 10.6372002 e 10.833/2003, sob pena de gerar cumulatividade no setor e, principalmente, ignorar características e peculiaridades notórias vivenciadas por tais atividades.
Em tais condições, embora nos pareça possível o crédito de PIS e Cofins, no regime não cumulativo, quanto à contratação de pessoas jurídicas para transporte de pessoas no setor do agronegócio, uma vez que se trataria um serviço essencial e até relevante, configurando insumo, conforme o artigo 3º, II, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, a jurisprudência ainda é contraditória, cabendo uma reflexão mais profunda principalmente da Câmara Superior do Carf.
[1] – CALCINI, Fábio Pallaretti. PIS e Cofins não-cumulativo. Algumas ponderações. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 176, 2010. p. 41-64.
[2] – A fim de evitar equívocos na interpretação, as vedações expressas de créditos estão no art. 3º, §§ 1º, 2º e 3º, das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003.
[3] – “CRÉDITO. TRANSPORTE DE FUNCIONÁRIOS. ÁREAS DE CULTIVO. POSSIBILIDADE. O transporte de funcionários até as áreas de cultivo são equiparados ao conceito jurídico intermediário de insumo e também configuram hipótese de aproveitamento de crédito da não-cumulatividade das contribuições sociais. Fundamento: Art. 3.º, inciso II da Lei 10.833/03” (Carf, 3ª Seção, Ac. 3201-009.226).
[4] – “CONCEITO DE INSUMOS. CRÉDITO DE PIS E COFINS NÃO CUMULATIVOS. Com o advento da NOTA SEI PGFN MF 63/18, restou clarificado o conceito de insumos, para fins de constituição de crédito das contribuições não cumulativas, definido pelo STJ ao apreciar o REsp 1.221.170, em sede de repetitivo – qual seja, de que insumos seriam todos os bens e serviços que possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração resulte na impossibilidade ou inutilidade da mesma prestação do serviço ou da produção. Ou seja, itens cuja subtração ou obste a atividade da empresa ou acarrete substancial perda da qualidade do produto ou do serviço daí resultantes. Nessa linha, deve-se reconhecer o direito ao crédito das contribuições sobre os gastos relativos ao plantio da cana-de açúcar e manutenção da lavoura; gastos com armazenagem. E, por conseguinte, não reconhecer o direito ao crédito sobre gastos com transporte de funcionários, eis que se tratam de mera despesa administrativa (atividade meio).” (Carf, CSRF, Ac. 9303-010.724).